23.11.08

Cultura e Direito



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17.5.08
















Se eu morrer novo, sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.


Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.


Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.


Alberto Caeiro, 7-11-1915

1.5.08








Entre idas e vindas,
encontros e desencontros,
pessoas e objetos andantes,
é
tudo igual.

A vida é um eterno teatro.

6.4.08

Pra quem gosta de se aventurar
De viajar, de ser feliz e se ausentar
Basta olhar nos olhos
Enlouquecer
Olhar e ver
Nada melhor que viajar nos sonhos, nos medos
Desejos e segredos de um olhar.
Nas mentiras, nas verdades
Nas vidas e vaidades
Que um olhar pode levar
Melhor que qualquer outro lugar
É repousar à tarde num olhar
Puro deleite
E à noite, adormecer
Sem medo de não acordar
Mas, caso isso aconteça
De o sonho se eternizar
Não tem olhar que não mereça
Uma lágrima a purificar.


Nairo Lopes

25.2.08

O cão

Um dia de chuva. Fico olhando-a pela janela. Sentindo os pingos no rosto. Frios, cortantes, acariciadores. Ouço unhas riscando o asfalto. É um cão. Vem caminhando, cabisbaixo, de focinho para o chão. Agora não mais aprecio a chuva, mas sim a tristeza que assola o pobre cão.

Os carros passam, as pessoas passam e ele nem sequer olha, não se esforça em levantar a cabeça, olha para a sujeira do chão. Um cão. Um velho cão, que vive do sustento dos pobres, que mendiga a sua esmola. E os calos que nele se criaram, foi porque fez da rua e da própria vida sua melhor escola.

E olhando aquele cão, que passava sem ao menos aperceber-se que eu lho queria como amigo, assobiei para que, quem sabe, ele pudesse dividir toda sua tristeza comigo. Embora o tenha chamado a atenção, ele, o cão, que se distraíra com meu chamado, não pode notar que, na rua, do outro lado, aproximava-se um caminhão. E ele, pobre coitado, nem teve a chance de comer o alimento que, há algum instante, encontrara no chão. E eu, ao ver a cena, pura ficção, ainda pensei que, ao menos, livrei o cão de sua tristeza e da solidão.

6.2.08

Prefixar

Criar
Procriar
Ver
Prever
Sentir
Pressentir
Pôr
Propor
Ferir
Preferir
Dizer
Predizer
Curar
Procurar
Escrever
Prescrever
Sumir
Presumir
Encher
Preencher
Fixar
Prefixar
Calar
Sem ar

Nairo Lopes



3.1.08

Monólogo (por Chico Anísio)

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio -- maior maldade mundial.


Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matumbo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.


Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, marafonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas.


Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, mercedes, motorista, mãos... Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meiágua, menos, marquise.


Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda.

Imagem: caricatura do personagem Bexiga feita pro livro "É mentira Chico?" que homenageia o grande Chico Anísio, autografada pelo próprio e pelo Ziraldo.